quinta-feira, 28 de agosto de 2008

**Clarice Lispector - Citação**

"E Lóri pensou que talvez essa fosse uma das experiências humanas e animais mais importantes: a de pedir mudamente socorro e mudamente este socorro ser dado. Pois, apesar das palavras trocadas, fora mudamente que ele a havia ajudado. Lóri se sentia como se fosse um tigre perigoso com uma flecha cravada na carne, e que estivesse rondando devagar as pessoas medrosas para descobrir quem lhe tiraria a dor. E então um homem, Ulisses, tivesse sentido que um tigre ferido não é perigoso. E aproximando-se da fera, sem medo de tocá-la, tivesse arrancado com cuidado a flecha fincada."

(Clarice Lispector - Um aprendizado ou O livro dos prazeres)

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Cristina

Cristina é o tipo de mulher que não se acredita existir. É daquelas que figurariam um filme baseado em conto infantil; ficção e nada mais. Mas ela existe. Ela me disse: eu existo. Foi o que me disse. Disse aquilo para que eu tivesse certeza, ela é. E é assim: meiga, viva, frágil, melindrosa. Um ser vivo como nunca encontrei na vida antes algum. Tão singular que às vezes acredito ter caído num livro de contos de fada. Sim, pois a realidade é dura e crua demais para aquela alma delicada, que por vezes repousa serena em meus braços. Tento me antecipar e antever as decepções e frustrações que terei com ela, afinal ela é humana e isso é natural e normal. Mas a verdade é que naturalidade e normalidade não são conceitos que perpassem sua existência. Cristina é um anjo, não é menina, nem sequer mulher. Talvez seja tudo isso. Já tentei e não consegui conceituá-la. Tarefa muito árdua. Então me deixo, deixo-na. Não penso no porvir e apenas recebo a dádiva divina de tê-la ao meu lado, sob os meus cuidado.

Lucinha

Os brinquedos espalhados no chão em torno da menina
Pareciam não chamar mais sua atenção
Não queria mais brincar, perderam o brilho
Já não tinham graça não

Olhou para seu trenzinho, sua bola e boneca
Percebeu que tinha muito mais brinquedo a sua volta, ignorou
Não sentia vontade de mexer neles,
Não tinha vontade, seu tempo passou

Não tinha mais fantasia para sonhar, Não queria imaginar família, filhinhos ou lar
Queria olhar pela janela, Mas não tinha altura para alcançar
Queria ver o sol da primavera, Queria ver o horizonte além-mar

Então ela subiu no seu banquinho, as perninhas a tremer
Tinha medo de cair, Mas já não queria descer
Continuou a subir Tentando tudo o que via examinar
Tanto que era tudo, não conseguia, Era muito mundo à sua volta
Precisava de ajuda para olhar

Era tanto a fazer, Muitas tarefas a cumprir
Aquele mundo era sua escola,
Estava em tempo de aprender mais
Pensando nisso se pôs a sorrir

Desceu do banco chutou a bola
Rodopiou feito pião
Riu para a boneca, que sorriu de volta
E ao grande mundo estendeu a mão

sábado, 23 de agosto de 2008

Josie Marie

Eu sabia que ainda o amava
Sabia que havia muito dele em meu coração,
no meu corpo e em minhas lembranças
palavras presas na oração
Ainda havia dor e pesar
Lamento e nostalgia pelo que passou e não pôde se perpetuar
Ainda assim não voltaria atrás
Ainda assim sabia que tudo passaria
Em breve, convictamente, tudo passaria
Passado não volta atrás
A dor no coração passaria
a tensão no falar
assim como a obliqüiedade de meu olhar
Não havia porque outro amar
Ou novamente me entregar
Não havia razão para sonhar
Nem motivos para continuar
Não não sabia mais e não queria pensar
Queria que o tempo comigo fosse cruel
e despedaçasse minhas lembranças em seus átimos contínuos
atirandos-as nas nebulosas de fel
para que nada dele mais permanecesse aqui
Não não não consegui suportar a angústia
então gritei chorei esbravejei
mas nada disso adiantou
Olhei-me no espelho e da face minha nada vi
Tinha ali o rosto dele, o seu sorriso e olhar
Tudo que eu sempre quis
Meu sonho minha aspiração meu amor
ali no espelho imaginado
Ou era verdade? Não sei
Meu amor estava então despedaçado
Atirei o espelho no chão
na esperança de não mais aquilo viver
Foi que eu percebi a besteira que fiz
nos fragmentos do espelho multipliquei
meu amor por ele, meu amor por você
A chuva caía e inundava minha roupa
Não sabia distinguir chuva e lágrimas
Minha alma estava triste e vazia
Solidão dentro de mim.

Por que ele teve que partir?
Meu amor era tão simples, puro...
Será que por isso lhe era inútil?
Dúvida dentro de mim.

Não consigo imaginar um dia da minha vida
Sem ele comigo aqui
Não sei o que será agora de mim.
Perdida, sei, estou sim.

Carrego o peso do amor
Amor rejeitado
Ignorado
Preterido

A chuva continua caindo
Minha alma quem sabe possa lavar
Levando meu amor embora
Reste talvez alguma vida para ainda sonhar

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Carol Adams

Ela era solta na vida
Sim, uma mulher de verdade
Amélia passava longe dela
Ahahahaha
Sabia o que queria e sabia como
Fazer para lá chegar
Não era somente
Mais um rostinho delicado
Num corpo de vulcão
Não
Seus olhos claros vivos
Sagacidade não lhes faltava
Inteligência e certa frieza,
Maquiavelice talvez permeasse
Seu coração
Era mulher com jeito de menina
Mas de menina só o sorriso e o olhar
Tão devastadora como um Tsunami
Tão poderosa quanto um furacão
Sabia viver, sabia brincar
Passava e não deixava vestígios
Não sabia, nem queria amar
Vivia sob pragmatismo
Não tinha paciência
Com ninguém queria para sempre estar
Sabia ser desejada e querida por todos
A despeito do seu jeito, não irritava,
Seduzia aos bobos
Também aos astutos conseguia conquistar
O que será dessa menina? Isso me preocupa
Será que a alguém um dia irá amar?
Será que conseguirá se entregar de coração?
E superando o pragmatismo, saberá se deixar levar
Pelos ventos da paixão?
Senão, o que será dessa menina? Juro, não sei dizer.
Sei que ela é minha amiga, admiro sua vida,
Mas como ela não posso ser.
Ela era gostosa demais
Perigosa demais
Astuta demais para estar ao meu lado

Ela, cínica demais
Arteira demais
Bonita demais para eu bobear

Ela não falava muito
Mistérios
Dava-me segurança alguma
Não dava para com ela jogar

Contudo não havia razão
Para tamanha audácia rejeitar

Leveza no toque e força no olhar
Quadris que me enlouqueciam
Lábios que faziam viajar

Não consegui ficar longe dela
Não cabia a mim decisão
Meu corpo por ela gritava
Perdido fiquei em suas mãos

Ela desprovida de qualquer senso ou juízo são
Abriu-se e meu deu sua vida
Entregou-se em minhas mãos

Dela fiz o que quis
Ela não se pôs a reclamar
Dava-me liberdade e com isso me prendia
Impedindo-me de verdadeiramente amar

A paixão durou muito tempo
Por aquela mulher, louco fiquei
Não queria com ela jogar, sabia: sairei perdendo
Dela virei freguês

Mas o tempo passou e a paixão de mim saiu
Ela, de verdade, não me quis
Comigo jogou; sentimento sem raiz
Hoje cultuo minha solidão e a sensação de sozinho ficar
Porque hoje sou dono de mim, não me levo por paixão
Nem sei se quererei algum dia
Sinceramente alguém amar.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Era hora do almoço
O brilho das panelas soava vazio
Nossas barrigas brilhavam
Não tínhamos comida

Meus irmãos e eu chorávamos
Para nossas lágrimas lamber
Sentindo o gostinho salgado da água
Nada nossa imaginação podia deter

Tínhamos lentilha, milho e cuzcuz
Feijão, frango ensopado
Mas passavam poucos minutos
E a fome já tinha voltado

Meu pai ao aluguel pagava a trabalhar
Minha mãe alguma comida comprava
Com toda a roupa da dona senhora
Pra lavar

Mas mesmo com muita roupa
E sempre meu pai sem em casa estar
Não dava nem duas semanas
A comida no armário vinha faltar

Faltava comida faltava roupa
Também lápis caderno e apontador
Não tinha blusa de escola
Tínhamos a rua, nossa casa alugada
E também um pouco de amor

Mas isso não foi o suficiente
Tínhamos que algo fazer
Íamos para rua como indigentes
Tentando algum dinheiro ou comida trazer

Nessas idas e vindas nas ruas
Muitos de meus irmãos se perderam
Foram mortos por policiais assaltando
E por traficantes por à boca ficarem devendo

Eu acabei me esquivando
Muita sorte que tive, concluí
Conheci o ofício dos meus sonhos
Fiz concurso, passei para gari
Estava esperando o vendaval passar quando de repente saltou um gatinho no meu ombro
Muito pequeno e cinza, o gatinho me assustou que pulei num grito
Ele se assustou comigo também
Nos olhamos e perguntamos um ao outro quem tomaria a iniciativa
Eu tirá-lo dos meus ombros
Ou ele saltar por vontade própria de lá
Não respondi
Ele sim. Começou a se aninhar no meu pescoço, aí foi que ele me venceu
Meus olhos cresceram em afeto pelo cinza gatinho
Tomei-o em minhas mãos
Acarinhei-o por minutos a fim
Ele se encolhia e cerrava os olhinhos para mim
Era como se já nos pertencêssemos desde muito tempo
O gato cinza e eu
Quando olhei para a rua
A poeira que o vento sacudia já havia sentado
As roupas nos varais, os papéis e plásticos pelas calçadas e tudo o mais já
Tinham sossegado
Emergiam paz plena e grande tranqüilidade
As nuvens turvas e espessas se dissiparam
Embora não tivesse chovido
Um lindo arco-íris
Surgiu no céu
Contemplamos tudo em silêncio
O gatinho cinza e eu

terça-feira, 19 de agosto de 2008

A última lembrança

“A última lembrança que tenho dela é seu sorriso afável, suas mãos enrugadas em minha face e seu olhar compassivo.
Não nutri na memória a última imagem sua: semblante gélido na moldura sem vida. Aquela não era minha mãe.
Minha mãe, mulher forte, cheia de graça e vida. Irradiava luz por onde quer que ela passasse. A bondade transbordava-lhe a alma.
Mulher brava, inteligente, trabalhadora, seu valor excedendo todas as riquezas do mundo. Ela sempre foi o meu ideal de mulher. Bela por dentro e por fora, meu porto seguro, lugar de paz onde sempre tive acalanto.
Meu amor por ela jamais acabará. Sinto muito no meu coração a ausência dela, mas sei que onde quer que ela esteja não deixará de velar por mim.
Não há meios de se estancar a dor e a tristeza. Sou grato a Deus que me deu a graça de ter minha mãe comigo até o momento do fim. Amém.“
Quando o passado nos chama
E insiste em nos levantar sua voz
Clama o pecado de outrora
Ferida no peito se refaz

Angústia vem com calma
E quer tomar conta
Da vida, do presente, do futuro
Trazendo tudo que ficou para trás

Mas se do meu passado me envergonho
Esses sentimentos voltarão jamais

Levanto-me não cedo à dor
Não serei como antes
Embora não saiba quem sou
Vivo a vida buscando o sentido
Para o passado às vezes triste e de dor

Meu presente encho de esperança
Por que felicidade já fui encontrar
De meus lábios, hodierno, nova canção brota
Brota da satisfação de hoje te amar

domingo, 10 de agosto de 2008

Amar é no cotidiano

Amar é...
Tolerar a tensão pré-menstrual dela

Suportar a ressaca dele
Aturar o mal humor mútuo pela manhã

Amar é...
Ter que abaixar a tampa do sanitário de madrugada para fazer xixi
Se sacrificar ao levantar a tampa do vaso para mijar

Manter a tampa erguida sempre para poupá-los

Amar é...
Desejar a gostosa secretária do chefe, conseguir sair com ela mas não marcar uma segunda vez pois não deseja manter uma relação extraconjugal.
A mulher recusar a proposta de jantar de negócios sob o tema “aumento de 50% no salário” com seu gerente pra eviar ocasião de propostas dúbias e se contentar com o aumento anual de 7%.
É ambos dormirem com a cabeça tranqüila, pois fizeram sua parte devida para o bem do casal!

Amar é...
Ele poupar durante meses o dinheiro para realizar o mega churrasco para a galera e ainda assim ter a fatura do cartão para pagar por 12 meses.
Ela estudar, trabalhar e arrumar a casa, e ainda arrumar a bagunça extra pelo churrasco que fora realizado no final de semana anterior. Isto quando ela pediu que o churrasco ficasse para depois de suas provas da faculdade...

Amar é...
Relevar o mal humor dela pois a casa está de pernas para o ar.
Ser paciente com ele no sofá assistindo à TV enquanto se quer tirar manchas de molho barbecue que estão na parede atrás dele.

Amar é...
Casar apesar dos amigos dele terem-no alertado que essa seria a maior besteira de sua vida
Ela não se descasar quando todas as suas amigas estão lindas, felizes e divorciadas!

Amar é...
Ela saber que a vida longe dele seria tranqüila e que assim poderia finalmente encontrar aquele partido lindo, inteligente e milionário!
Ele saber que sem ela poderia ressucitar sua vida social e voltar a se encontrar com as "amigas" para um chopp.

Amar é...
Estar feliz ao lado de quem se ama apesar das circunstâncias.
Superar os impasses por mais delicada ou irritante que seja a situação para juntos permanecerem.

Amar é
Dizer sim aos instintos primitivos, mas salpicá-lo de convenções sociais necessárias à manutenção da vida humana na Terra.
E morar junto, estar junto, casados legalmente ou não, é namorar por mais de três anos, por mais de dois ou um ano, e não projetar um dia de sua vida sem que aquela outra pessoa esteja ao seu lado.
É fazer sonhos e projetos para futuro a longo prazo sabendo quem será sua companhia para todas as horas.

Amar é
ser romântico, é ser realista.
Sonhar e manter os pés no chão.
Conhecer a si mesmo, numa configuração melhorada, mas em outra pessoa: ele/ela.
É serem um quando há duas vontades, dois desejos, duas expectativas.

Amar é...

diga você agora...


Karla Gregório
30.01.2008

O bom moço e seus vulcões

Nos encontramos na noite de sexta-feira. Ela estava deslumbrante em seu tomara-que-caia vermelho acetinado. Olhos pintados e lábios carnudos saltando à face. Eu vinha direto do trabalho, então eu estava muito suado. E para agravar, durante a semana inteira não tinha conseguido fazer a barba. Não estava na minha melhor imagem, confesso, mas isso não pareceu preocupar Paula. Atirou-se em meus braços e me beijou como se fosse o último dia de nossas vidas. Contraiu todo seu tenro corpo no meu. Senti um arrepio em toda a espinha da coluna e um fogo começou a subir pelo meu corpo. Não pude fazer nada além de me deleitar naquele corpo maravilhoso através daquele abraço, o pagode já estava lotado quando eu cheguei. Pra variar me atrasei, mas desta vez muito mais que de costume. Estive até mais tarde no trabalho aguardando a saída da Carol, a nova auxiliar de contabilidade. Propus-me levá-la no ponto de ônibus. Aquela bundinha linda, pequena, me deixa louco. Não perderia a oportunidade de acompanhá-la. Insisti muito para que ela deixasse, então mesmo com o compromisso com Paula, não podia perder aquela chance de uma maior aproximação. Coloquei em prática todos os preceitos do manual do conquistador barato. Fui cortês, simpático e compreensivo. Ouvi suas conversas tolas sobre família, trabalho e faculdade. Falhei num ponto somente, não conseguia controlar meu olhar para aquele corpinho miúdo e fascinante, mas acredito que ela não tenha percebido. Manteve-se falante com seus olhos brilhantes até que o ônibus veio e eu puxei-na e beijei-lhe a testa, sinal de respeito e boas intenções. Ela ficou extremamente encabulada; não esperava aquele tipo de despedida. Isso me fez rir por dentro, sempre me fascino com meu poder de sedução e magnetismo. Mas retornando à Paula, Paulinha... Minha deliciosa menina de 19 aninhos. Meu doce, meu sonho, meu anjo. Se eu fosse capaz de amá-la, amaria. Mas não a amo. Não que eu seja mau, não quero ser mal interpretado. É que uma menina de 19 anos tem uma mente vazia demais para um homem experiente como eu. Não é burra, mas não é uma Mulher ainda. Menos ainda uma mulher para que um homem como eu venha a amar. Paulinha é meu ideal de mulher nesse sentido: corpo perfeito e rosto iluminado. Por enquanto, isso me basta. Para ela me dedico por inteiro, ofereço o meu melhor e realizo seus desejos. Ela me ama, não tenho dúvida, não tenho dúvida. É um doce que se deleita aos poucos e aos pequenos bocados, lambendo os dedos para que não acabe tão logo. Tenho paciência, ainda não a tive inteira para mim, porque sei esperar. Se eu quisesse já a teria possuído. A vida me ensinou algumas coisas. A paciência foi uma delas. Antes quero tê-la em alma antes de tê-la no corpo. Aprendi ainda com a vida: conquiste um corpo e terás um corpo; conquiste uma alma - um coração - e terás tudo! O melhor que a pessoa tem para oferecer será seu sem que dê algo em troca. Eu quero o melhor de Paula. E ensinarei o que for necessário para que o melhor dela supere o de todas as mulheres que já conheci. Sei que o final dessa historia possa não ser o melhor para ela, mas me agradeceria se pudesse pensar logicamente. Estarei e já estou ensinando conhecimento que lhe será útil até o final de sua vida. Gosto disso em Paula, ela é capaz de aprender. Devagar e demoradamente, mas em contrapartida me delicio mais no aprendizado. Claro que ela sabe nada disso, sequer lhe passa à mente. Isto é, ao coração, centro motriz de sua existência. Ela ignora, e é incapaz de conjeturar tais pensamentos. Altos demais para ela, para mim, apenas faísca da lava adormecida no centro de um vulcão. A propósito, naquele mesmo dia em que levei Paulinha para sambar e pagodear no Terreirão do Samba, conheci Clara. Um vulcão, mulher, linda, gostosa, boa, segura, forte, incrível. Dei o meu telefone para ela, mulher desse tipo não se pode ir atrás. Sequer tentei conseguir seu telefone, seria inútil ligar para ela. Dessas só se encontra por interesse próprio, não são facilmente reconhecíveis senão por sua vontade. Por exemplo, se Clara me quiser, me ligará, porque se ela não quiser não haverá nada, realmente nada no Universo que a persuada do contrário. Então aguardarei pacientemente, e a vida continua. Mulher como ela conheci uma vez na vida. E que estrago foi aquele! Posso rir agora, antes apenas gemia de dor. Todo e qualquer fenômeno destrutivo da natureza seria inútil para designar o poder daquela mulher. Porra, e que mulher... Desde então sequer pronuncio seu nome. Não gosto, eu sou supersticioso. Entretanto estou louco para viver aquele delírio novamente. Desejo isso faz anos. Então o que faço com as minhas mulheres é transformá-las em vulcões com os quais eu possa me queimar por inteiro. Não é fácil. Até hoje não consegui fazer isso com nenhuma. Não sou incompetente. Elas temem serem fortes, não sei por que. O maior prejudicado serei eu, e qualquer um que atravessar o caminho delas, mas elas parecem não querer se emancipar e se tornar algozes no meu prazer e do meu sofrimento. Elas preferem a submissão à agressividade, o olhar ao chão à sedução, o sorriso constrangido à gargalhada. Paula por fora é um vulcão do Fogo (Ilha de São Miguel – Açores), corpo avassalador, olhar penetrante, por dentro, aff... Me dá vontade de rir. Por dentro a Lagoa do Fogo, no entorno no vulcão, menina de 19 anos que ainda não abandonou suas bonecas. Por isso espero, não quero violentá-la, não no sentido físico, afinal ela não é mais uma virgenzinha. Não quero violentá-la no sentido de fazê-la saber prematuramente que não é mais a menina que acredita ser, que brinca de bonecas. Farei com que ela se veja como o mundo a vê. Uma mulher incrível, um vulcão pronto para entrar em erupção. E estarei ali na base daquele vulcão, pronto para me derreter em seu magma flamejante.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Mulher Mulambo

Ele amava aquela múmia. Muda, mulher, mulambo.
Ele a amava antes, desde antes.
Agora não sabia mais.
Não queria saber.
A culpa transbordava-lhe na fronte.
Não era o que queria. Era. Mas não ponderou as consequências.
Sua mulher estava morta.
Muda, múmia, mulambo.
Sua voz a matou.
Mulher morta, morta em sua vida de amor.
A grandeza reduzida ao pó. Poeira no sarcófago do silêncio.
Nos braços imóveis, abraços de dor.
Ele a queria, mulher linda, forte e perfeita que era.
Queria a volúpia de seus movimentos e
a assimetria de seu corpo.
Era o que queria, era o que nela amava.
Mas infelizmente não sabia. A enfaixou.
Começou pelos braços, cabeça e pés.
Queria nela a perfeição ter.
O desejo, a ambição que só sob seus olhos tinha vazão, perdeu a razão de ser.
Se transformou em ilusão.
A mulher forte, linda e viva se tornou mulambo.
Ultrage humano.
Melhor que não estivesse vestida.
Mais honra teria ao revelar nú corpo seu.
Mas envolta em farrapos e mulambos, enfaixada feito múmia, mulher perfeita morreu.
Morreu, pois se deixou enfaixar por fitas rosa de amor que a opressão veio sublimar.
E dentro de si, numa redoma se fechou. Morreu asfixiada, asfixiada pelos afagos da voz do homem de seu amor.
Muda, múmia, mulher-mulambo.

Obediência e Resignação

Ao mesmo tempo em que estou muito solta e tenho toda liberdade, liberdade essa que temo de tão grande que é... Ao mesmo tempo não quero estar presa, fechada, enclausurada e desconexa do quê, não sei.
Mas não quero os extremos de realidades que são nocivas para minha saúde, minha plenitude, minha existência. Temo a prisão, a caixa, o dogma, tudo que é vão. Temo a liberdade que vem na contramão. Posso fazer tudo que quiser, mesmo aquilo que não seja são. Posso matar, roubar, ferir, me prostituir. Posso dizer não, posso dizer sim. Não tenho contas a prestar, para ninguém preciso minha vida, meu comportamento, meu ser, justificar. Mas isso não é tão bom. Fico presa na solidão. Então para o outro lanço mão, na esperança de amparo ter. Mas não quero ser presa não, nem que isso pareça em vão. Não quero a solidão, mas presa não posso viver.
As amarras foram soltas, todos os dogmas se foram. Pai, mãe, igreja, não quero ouro de tolo. Não quero estar presa na “sagrada“ união. Minha personalidade é minha, muito forte, solta e precisa disso para viver. Quero morrer de amor, mas amando na liberdade conviver.
Quero me dedicar, amar, até às vezes me anular, mas em todo tempo me possuir. Quero ser eu como sou. Sem me desconfigurar e sem me trair. Não sou programa de computador, sou um ser humano, mulher, não nasci somente para amar. Não quero me subjugar, nem por isso me isolar, ou mesmo me submeter. Não quero estar à frente, nem atrás, do lado sim, isso poderá acontecer. Não quero olhar para o chão, não quero a fronte demais erguer. Eu quero a digna liberdade de mulher, um outro a mais, nem melhor nem pior, outro modo de ser. Outro modo humano, humana, mulher que tem direito ao poder. O poder que mais desejo para sempre, é sempre, para sempre me pertencer.
Sou muito forte que não me suporto, sei, preciso de ajuda. Não me basto, não me sustenho, sou muito, muito, muito poder, tão grande que não agüento. Mas só posso confiar, me confiar, em alguém que não queira me usurpar. E que saberá me deixar ser o que já sou, mesmo que um dia eu venha mudar.
Estou triste, muito triste, a realidade passei a enxergar. Desde o dia que comi o fruto, fui culpada, sou mulher, fui errada ao pecar. Levei Adão comigo e por isso pago, até hoje, pelo erro que aconteceu ali. Milhares de anos se passaram desde o Éden, pago o preço do passado, passado de erro que não cometi.
Choro, sofro, lamento, grito, mas sublimo minha indignação. Ensinaram-me a não ter voz, nem mente, apenas a pensar com o coração. Então abaixo minha cabeça, não falo não escrevo não uso minhas mãos. Cumpro a tarefa que me foi dada, viver eternamente em reclusão. Sou mulher, o que fazer? Não tenho opção. A mim basta a atitude de todos os fracos e submissos: obediência e resignação.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Levanto os olhos depois que abro a porta
Minha entrega chegou
Um homem negro, cabeça baixa, olha para os pés

Não ouvi uma palavra de sua boca
Limitou-se a concordar com a cabeça e
Esboçar um tímido sorriso

Fechei a porta
Para sempre ele se foi
A cena jamais saiu da minha mente

O homem negro que faz a entrega na casa
Na minha casa
Mulher negra que fecha a porta às suas costas

A minha pele foi fendida
Ferida viva
Cicatriz aberta

Esboço um tímido sorriso
Já não digo nada, não que já tivesse dito
Mas olho para os pés e sigo.

O inferno de Cássia

Quando Cássia abriu os olhos não acreditou. Estava lá, estava no céu. Viu tudo como sempre imaginou. E ficou orgulhosa de si, pois estava ali por ter sido uma boa pessoa sua vida inteira.
Havia gente, muita gente, inclusive aquelas que ela conheceu na sua vida na Terra. Contudo entre a multidão havia pessoas que tinham sido más na Terra. Ela não entendeu. Foi perguntar para Deus. Ele a tinha cumprimentado assim que ela acordou.
Cássia perguntou para Deus porque as pessoas más estavam no céu. Deus disse-lhe que não havia pessoa boa ou má no mundo. E que todos eram iguais sob seu julgamento. Por isso todos estavam ali. Também confidenciou que essa história de bem ou mal foi invenção do homem para distinguir-se uns dos outros, hierarquizando valores e retribuindo isso conforme a lógica da invenção.
Aquela senhora ficou pasma. Arregalou os olhos num misto de decepção e incredulidade. Não era possível, ela pensou, tinha feito tudo tão certo, tão bom e adequado em todos os momentos e agora se via ali junto daqueles que não tinham sido “bons” também. Não aceitou. Olhou para Deus com ar de repreensão. Não era possível que Deus fosse assim. Idéia absurda, resmungou em bom som. Retirou-se. Ficou triste. A partir dali sua vida no céu se transformara num inferno.
Numa noite ensolarada borboletas voavam no cemitério. Gatinhos miavam enquanto sua mãe banhava-nos sob o calor dos raios do luar. Crianças abriam sepulcros e brincavam com crânios, formosos, brancos como leite. Adultos, um casal, brigavam romanticamente em gritos surdos. Harmonia bélica imperava.

Yara e Eu

Celebra-se o início com a música em homenagem ao fim
Final do tempo que junto caminhávamos noite adentro
Juntos, dentro do tempo
Um tempo que ficou pra sempre pra trás

Onde nos encontrávamos ainda na noite
Noite de amores perdidos, no chão alcançado
Saltando em beijos, ruídos e gemidos
Celebrando para sempre o prazer de estarmos ao lado

Naquele tempo não havia palavra, não havia regra
Nada que pudesse a paixão estancar
E em beijos selvagens, em posturas suaves, um único corpo, desejo e vontade
Conseguimos naturalmente por fim alcançar

O início do fim celebra-se com aquela canção
A canção do começo que na verdade não era nossa
Mas que o mundo acabe! Disso nunca me esqueço
A nossa paixão, aquela, para sempre gravada estará
Em minha memória
Meus olhos estavam angustiados. Observavam a menor reação. Esperavam alguma palavra. Queriam ver palavras que saíssem dos lábios daquela pessoa. Contudo o silêncio era audível de tão intenso.
Lágrimas rolaram pois palavras não havia. Não tinha uma explicação ou justificativa ao menos. Somente a ausência de palavras. A ausência que nos últimos meses fora minha companheira e amiga, acalentando-me com seu vazio.
Havia algo errado. Algo muito errado, mas não sabia exatamente o quê. Havia alguém, outros alguéns até. Melhor seria que fossem vários, mas era um alguém. Alguém que me tirou tudo. Nada tinha mais importância e sentido. Eu estava ali e somente queria uma resposta ou explicação e não vinha.
Não tive forças para brigar, gritar nem exasperar. As lágrimas secaram com o vento que chicoteava meu rosto. Atrás de mim deixei a minha vida e segui para meu destino ausente de mim. 2/8/8

Por que alguém escreve?

Escreve por que precisa
Ou por querer?
Porque deseja saciar sua necessidade.

Escreve para ser conhecido
Ou para se conhecer?
Porque se conhecendo se dá melhor aos outros a perceber.

Para se revelar
Ou proteger?
Porque se revelando melhor possibilidade tem de se esconder.

Como se dá o ato de escrever?

Mera criação
Ou exemplo de poder?
Poder de criar e fazer outros enxergarem aquilo que não conseguem ver.

Ato de amor
Ou de prazer?
Prazer gerado no amor de criar uma realidade para ser vista,
Conseguindo assim revelação
Protegendo aquilo que quer
Somente para si ter.

A Livraria

Na viela eu a vi
Era minúscula
E gigante

Seduziu-me
Com suas histórias
Sua música pelas estantes

Era tudo ímpar
Um mundo a parte
Sua música, sua voz, seus livros
Dispostos em suprema arte

Entrei, não hesitei
Também queria participar
Onde os livros são os mundos
Não há lei para novos criar

Senti me na solidão
No profundo do meu ser
Ali havia vários comigo
Me lendo e por mim sendo lidos,
Nossa forma particular de viver

No momento em que comecei
a exaurir e pelas nuvens flutuar
A porta começou a se abrir
O relógio lá fora a me chamar

Dizia-me com convicção: é hora de retornar.
Sua vida está fadada pra todo sempre na realidade
se perpetuar.

Mas grande consolo me deu, havia brilho no olhar.
Disse-me com exatidão: tens-me do lado seu,
sempre que quiserdes aqui voltar.
Tens todo tempo do mundo.
Nunca deixarei de fazer-te sonhar.
És uma partícula do céu, através dos mundos para lá voltarás.
Nunca deixe de escrever e com outros compartilhar.
O mundo mágico que é teu, todos tem um lugar.
Lá não há choro, sofrimento, nem dor para ninguém.
Basta apenas os olhos fechar.

sábado, 2 de agosto de 2008

Reconciliação

Reconciliando a alma e o corpo
O espírito e a matéria
Deus e o Diabo
Reconciliando o mundo dividido
Transformando o caos
Tornando-o cosmo novamente
Sentando a vontade e o desejo
Fazendo-os amigos numa santa refeição
A primeira ceia de várias que virão
A mente-razão apreciando o sentimento
Com suas mais puras emoções
Unindo o mundo plural
Tornado uno
Não mais
Não menos singular
O mesmo mundo
O mesmo Deus
O mesmo corpo
A mesma alma
Na reconciliação da vida
Na visão de mundo
Entre rua e casa que são espaços
Díspares da mesma realidade
Reflexo invertido
Faces da moeda
Imagens do rosto de Lua
Não somente dois
Não apenas quatro
Todos simplesmente
Um