sábado, 24 de maio de 2008

Seguindo os instintos

Eles cumprem o imperativo do instinto
Com a conivência das convenções sociais
Estão à caça
Estão à procura
Querem comer
São sedentos por carne
Leões famintos
Insaciáveis
Sempre à caça
Sempre à procura
Olhos aguçados
Faro apurado
Suas presas sabem cansar
Nunca desistem
Deixam nas em transe
Colecionam seus ossos,
Sobras da vida
Sugam o sangue
Degeneram a alma
Adoram sacrificá-las
E com selvageria
Saciam
Todos os seus desejos
Seguindo
Apenas seus instintos

sábado, 17 de maio de 2008

Para que um cérebro

Já tem peitos
Lábios carnudos
Coxas grossas e largos quadris

Para que um cérebro, Senhor?

Rebola, samba, dança
Anda
Ainda pode fazer tarefas domésticas

Porque lhes deste cérebro?
Seria tão que não pensassem
Embora haja aquelas que a despeito do cérebro
que possuem, não pensam
[ E essas são maravilhos
O paraíso na terra
Elas dizem sim
Choram
Sorriem
mas não questionam
Não nos encalabouçam
na lógica de seu pensar
Seria mais fácil para nos arranjarmos
se todas fossem assim]

Mas aquelas que pensam
são o cão disfarçado de mulher

São as mais desejáveis
Mais selvagens
e menos aprisionáveis
menos convencíveis
Mais apaixonantes
Avassaladoras
Indomáveis
Feras
Ferem
Curam
Matam
Ressuscitam

Riem com lágrimas
Choram aos sorrisos

Me deixam louco! Louco de paixão
louco de amor
louco de tesão

Para elas não é qualquer cidadão um partidão
Não há regra para a adoção
Não existe bonito nem feio
Rico pobre muito menos
um sujeito em transição

Se atêem ao olhar
Vislumbram a alma,
o sujeito no particular
Se o que veêm bem ao fundo lhes
tocar
Seja bom ou seja ruim
A esse sujeito elas irão amar
Amor com a vida
com a alma
e com paixão

Mas num piscar de olhos
tudo isso pode se tornar vão

Não têm regra a seguir
Não se detém apenas no falar
A conduta de todo sujeito
elas são de analisar
E se com o tempo
O que lhes agrada se exaurir...

Se com o vento
O fulgar de dentro sair
O amor
a paixão
com o vento
tambeém se irão

E somente com o tempo
Outra paixão outro amor
outro sujeito
a vida
para perto dela
trará

Peço a ti então Senhor
Que a minha vez não venha tardar
Amo o paraíso
Mas no inferno prefiro estar
Se uma mulher como esta
Minha algoz quiser se tornar
Sofro com a mente
com o corpo
e coração

Sofro mas na verdade
terei realização
Com uma mulher dessas
está minha verdadeira
satisfação!
Amém
[Um dia você acorda e se depara com sua liberdade

Descobre que pode fazer o que quiser com a sua vida

Toma consciência que tem poder de construir sua história

e determinar o caminho que está trilhando, que trilhará

dá um grande assombro, sensação de medo e isso assusta

ao passo que dá um prazer incomensurável

você pode fazer o que sua mãe sempre disse que não

mas também pode fazer o que ela sempre mandou

a descoberta da escolha da decisão

a posse desse direito

é o momento mais importante na vida de qualquer ser humano

eu posso não escrever no verso da folha do meu caderno a despeito do que minha professora da 4ª série disse

posso tomar café com açúcar ao invés de adoçante como dogmatiza as revistas de dieta e boa forma

tomo posse da minha liberdadeliberdade do sim e do não

tomo posse hoje pq já tomei posse dela ontem

e não quero prescidir dela jamaisliberdade que é escolha

não necessariamente libertinagem

mas tb já não é prisão

não é mais dogmanão é religião

não é mais convenção]

O último alface da feira

Muitos vinham e iam
Olhavam e escolhiam
Levavam um
Outro
Mais um
Vários

Ele ali ansioso
Sorria
Queria ser notado
Queria ser levado também

Mas era rejeitado
Deixado
Preterido

Não era desajeitado
Era formoso na verdade
Não sabia por que não o queriam

Iam e vinham
Mas não detiam a atenção
nele

Uma salada
era o que ele queria se tornar
Temperado com bom azeite
E sal refinado

Mas dali não o tiravam
Faltavam pouco
Apenas três
Agora dois
Apenas ele

Ali teve o momento
de maior sofrimento de sua vida
Se deparou com a tristeza
em profunda solidão

Fechou os olhos
e Chorou de soluçar
Adormeceu
Profundamente
Por tempo não determinado

Quando acordou
não via mais a lona azul da feira
Vislumbrava um teto com lustres brilhantes
Quando sentiu um perfume delicioso
e viu uma chuva dourada cair sobre ele

Percebeu que estava sendo banhado
no melhor azeite português que já ouviu falar
e havia um polvilhado de sal em suas folhas
Com isso começou a minar água
Suas lágrimas de alegria

O sonho...

Um dia sonhei que eu era uma escritora
E morava na Lagoa
E tinha uma biblioteca com estantes brancas num look clean
E tinha uma mesa de vidro linda com o meu computador pessoal
Havia poltronas confortáveis
Meu marido também morava lá no apartameeeento na Lagoa
E era tão inteligente quanto eu
Caminhávamos de manhã aos domingos
E a tarde meditávamos e fazíamos tantra
Na noite anterior tínhamos jantado no Leblon e bebido vinho em taças lindas
Cada um de nós tinha seu próprio carro
Planejávamos ter um filho. Discutiamos a adoção de uma criança.
Eu era como agora. Linda, plena e realizada.
Ele era como sempre sonhei. Negro, seguro e determinado.
Tinha a certeza de já ter vivido aquilo em sonho há algum tempo
Os sonhos se tornam realidade, concluí.
Acordei. O despertador tocou me avisando do horário de ir trabalhar.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Poema em linha reta - Fernando Pessoa (Álvaro de Campos) -

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,

Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo

Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana

Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!

Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,

Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.