domingo, 21 de setembro de 2008

Carta


Um dia Lara resolveu escrever uma carta para um rapaz de quem ela gostava. Ela se percebia complicada, mas ele era capaz de compreendê-la, então não exitou e escreveu para ele a carta sob o título "As mulheres que moram em mim..." para com ele compartilhar das contradições que abrigava em si. Essa carta nunca foi entregue pois Lara não chegou ao lugar combinado para entregar pessoalmente a carta ao tal rapaz. Nada se sabe dele. Lara sumiu. A carta foi encontrada num banco de estação ferroviária junto a um lenço úmido supostamente por lágrimas da jovem. A pessoa que encontrou a carta, a devolveu no endereço de remetente. A família de Lara passou anos a procurá-la sem sucesso. Posteriormente, diversas explicações foram criadas para seu sumiço. Lara teria fugido com seu amado para as ilhas Cayaman; ou então teria no caminho do encontro se apaixonado e fugido com um traficante de drogas de uma das favelas do Complexo da Maré; ou por fim, indo comprar cigarros - Lara não fumava - ela teria tropeçado na calçada caindo na pista, atropelada por um táxi, morrido, teria sido enterrada como indigente.
Não se sabe o real paradeiro de Lara, mas a carta revela sua personalidade complexa. Atualmente é um material acessado por cientistas das áreas humanas: psicologia, antropologia, filosofia, sexologia, teologia etc. Enfim, segue a carta transcrita:

"Ao meu amado.

As mulheres que moram em mim gostam de você... Elas gostam de modo diferente, às vezes não gostando até. Elas são muitas, são diferentes, são complicadas.
Há aquela que não gosta nem desgosta, é indiferente, e se aproveita de você, do seu corpinho masculino. Tem uma que te obedeceria de olhos vendados e tudo que você dissesse viraria dogma para ela, se não fosse a influência de outras. Uma outra adoraria dar na sua cara na hora do sexo (ela não faz amor), e não reclamaria se recebesse de volta. Te diria coisas obcenas ao ouvido, e tais coisas eu me envergonharia muito se fosse dizê-las. Ela adora quando você puxa seu cabelo...
Tem uma menina que te ama, com paixão de irmão, amigo, pureza de amor de filha a um pai. Essa é a que você já viu chorar. Ela não entende coisas do mundo e das "gentes grandes", por isso vira e mexe sofre. A maior parte do tempo ela irradia alegria pura e sincera.Tem aquela mais séria, rígida e centrada. Ela vive segundo a razão, entende tudo pelo prisma lógico e sabe resolver equações matemáticas. É sarcástica, por vezes irônica. Extremamente realista, tange o pessimismo, mas a verdade é que é cética. Sabe separar razão da emoção, mas não consegue praticar... Tem uma romântica-platônica que cria contos de fadas e quer vivenciá-los. Esta atrapalha aquela lá. Escreve coisas com coração em volta, faz birra e pirraça, não suporta ouvir não. Ama exessivamente, se doa, faz drama, chora, grita... bleh... É a mais temperamental. Quase atriz de drama mexicano, pieguisse é elogio para seu comportamento visceral... Tem aquela que não diz nada, não expressa nada, e a tudo observa. Observa a si, e suas facetas; e observa você, quem você é. E sem dizer uma palavra permanece ao seu lado mesmo quando não está por perto.
Uma dessas aí sabe que amores vêm, amores vão. E se algo tem fim é por que teve um início, e não é por isso que o mundo acaba. Coisas terminam outras começam. A vida, segundo ela, é como um grande barco, há portos em que precisam desembarcar pessoas para que outras possam subir.
Outra não quer pensar com seriedade no que a preocupa, então simula, nada está acontecendo. Prefere não dar a importância que acredita que o assunto merece.
Uma outra chora copiosamente por dentro, embora poucas lágrimas tenham rolado de sua face, sua garganta está com nó do choro não chorado.
Ainda outra deixará tudo para seguir a emoção. Tem aquela que nada diz, somente observa sendo expectadora de sua própria vida. E aquela que não liga para nada disso, acha perda de tempo a escrita desta carta.
E somada, tem aquela que administra todas as mulheres. Essa sou eu, e ela precisa de sua ajuda, pois já não aguenta gerir tantos epicentros juntos numa mesma região, seu próprio corpo. Ela precisa e quer você. Essas mulheres, suas mulheres, têm muitas reações díspares, antagônicas e paradoxais. Elas são assim.
Isso é pouco delas, elas são muitas e são mais. São variadíssimas. Todas elas sou eu. Somos nós. Todas têm algo diferente a dizer. São diferentes entre si. São eu. E elas precisam, todas, elas e eu, precisamos de você.

beijos,
Lara"

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