Alice se casaria em dois dias. Esposa de um político conservador de direita em sua cidadezinha seria. Teria como missão de vida ser exemplo de mulher, mãe e esposa. Seria mais mãe e esposa que mulher, ela já sabia.
Ela estava ali na varanda de casa a lembrar de sua vida e história... Logo ela que odiava os meninos, logo ela que jamais se casaria, logo ela que subia em árvore, usava boné e tomava banho de chuva. Ela achava tudo muito irônico. Ela que adorava a rebeldia, adorava saber o certo somente para fazer o errado. Ela mesma que inocentemente brincava com a capacidade das pessoas ironizando, sendo irreverente, ambígua e controversa.
Por um longo momento divagou. Lembrou-se do período em que estudou fora de sua cidade, quando viveu no alojamento da Escola Secundária. Lembrou-se dos dias que saia sozinha pelas ruas a falar com as pessoas mais esquisitas, contemplando-os pela ótica da normalidade, curiosa pelo outro, pelo diferente, curiosa pela diversidade da vida e dos seres. Também lembrou do primeiro porre de vinho. E da vez em que tomou uma dose de cachaça num botequim com os amigos. Relembrou-se do dia em que dormiu no alojamento dos rapazes para transgredir as normas, nada mais.
Sim, lembrou com alegria e talvez tímida nostalgia. Recordou esse tempo que ficou para trás. Alice não era mais assim. È verdade que era, mas abria mão de muito disso para uma nova etapa da sua vida, não menos digna de louvor. Suas travessuras ficavam para trás, parte dela já estava muito atrás, sendo tangível pelo fio da lembrança apenas. Ela amava o novo desafio, sabia o seu papel ao lado de seu futuro esposo, também conhecia o papel em sua própria vida, e saberia viver a nova canção em uníssono. Certa estava seguindo sua vocação, apoiada pela sua emoção e por sua razão. Entendia que a partir dali estava se tornando verdadeiramente mulher.
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