terça-feira, 19 de maio de 2009

**Um chamado: uma interpretação**

Hoje entendo o que a irmã, que também passeava no mosteiro São Bento, em 1999, quis dizer. Ela me disse: não se dever ir para o convento por odiar o mundo, mas exatamente por amá-lo. Não por não gostar do convívio das pessoas e rejeitar as intempéries da vida, sobretudo porque as aceita e respeita.

Naquele dia eu tinha 15 anos, tinha o esmalte das unhas na cor preta, e não estava preparada para aquilo que almejava, ser freira. Naquela época, e até bem muito pouco tempo, repudiava a realidade e tudo que a ela fosse pertinente. Sem perceber, com isso odiei a humanidade, minha humanidade, eu carne e osso, mulher, que se projeta num mundo real. Negando o meu mundo, neguei a mim, e produzi uma auto-estima nula. Não estimava nada no mundo. Cresci nesse casulo doentio.

Afugentei meu ser dele próprio, do outro e do mundo. Vivi reclusa no meu autismo voluntário. No meu mundo de idéias criei um mundo alternativo, que tingi com as cores que me eram agradáveis. Nesse mundo eu enxergava somente o que queria, quando queria. Desse modo me machucava e também àqueles que nele intencionassem entrar. Talvez tenha sido cruel com algumas pessoas, mas certamente não tão dura quanto fui comigo mesma.

Criei um abrigo de "proteção" somente para mim. Minha família ficou de fora, meus amigos eu não deixava entrar. Não me relacionava comigo, não seria diferente com os outros. Relacionava-me com as idéias abstratas e com os livros aos quais lancei mão.

Embora não gostasse de ir à escola e faltasse muito às aulas, sempre fui brilhante. Estava acima da média dos demais alunos. Eu estava perdida dentro de mim, sob o manto de conhecimento que acumulava. Nele, logo cedo, eregi meu altar de soberba e arrogância. Na mesma proporção me perdia na minha estrutura física pelo tanto que engordava. Escondia-me dentro do meu próprio corpo, meu sarcófago. Assim estaria protegida, não seria notada.

Esse mundo era o lugar onde queria estar, era seguro ali, acreditava. E a verdade é que eu estava segura. Tanto que fiquei assim por muitos, muitos anos. Quando já não conseguia mais me esconder sozinha, criei um deus no meu mundo. E me disfarcei na religião. Usei seus dogmas, fui dogmática, taxativa, fatalista, moralista. Criei um deus a minha imagem e semelhança. Fiz dele uma marionete e colocava em sua boca aquilo que legitimava minha repulsa pelo mundo e pela realidade. Era pessimista, cética, crente mas incrédula.

Contudo havia uma parte de mim que não estava satisfeita. Não aceitava que "era assim e assim que teria que ser." Questionava e não aceitava respostas superficiais. Sempre queria mais, mais. Queria entender que "se tinha que ser assim", "porque tinha que ser assim?" Um racionalismo insaciável e saudável. Isso me levou a buscar mais respostas aos autoquestionamentos. Colocado em xeque a minha cosmovisão (meu alicerce de vida - a religião) fui estudar teologia. Fui procurar as respostas.

Essa decisão me levou obrigatoriamente para um convívio social intenso e que muito me assustava. Não era dada a interações sociais em grau algum. Mantive-me cativa em mim, com medo e assombrada. Estava entre cristãos, pessoas com norma de conduta altruísta. Mesmo assim não me sentia à vontade, embora fosse uma deles. Meu medo era tamanho.

Tinha medo de sair do meu casulo. Escondia-me de tudo, inclusive dos rapazes. Era atraente, brilhante e inteligente. Mas me escondia sob a máscara da hostilidade e agressividade para que mantivesse as pessoas afastadas. Meu conhecimento acumulado e habilidade de raciocínio me permitia a soberba e o desdenho intimo e oculto pelos demais. Posicionava-me
intelectualmente acima, ou seja, distante.

Enquanto uma parte minha buscava consolidar as verdades absolutas do meu mundo particular, outra intencionava desconstruir e minar todas elas, para minha sorte. Eu havia construído um conhecimento que era a base para minha vida, mas que não me atendia mais em plenitude. Estava ultrapassado.

Ultrapassado: foi construído na minha infância, após a separação de meus pais, a ausência de ambos devido a intensa lida no trabalho, somado a algumas experiências desagradáveis na infância. Esse emaranhado de situações aliado a má formação na auto-estima e ao exercício contínuo do raciocíono através de divagações e leitura, geraram uma sólida cosmovisão como fundamento teórico.


Felizmente consegui desconstruí grande parte desse "conhecimento teórico" em pouco tempo. Em dois anos, aproximadamente. Mas descontruir meus hábitos e práticas alicerçados naquela densa cosmovisão tem me levado tempo e energia. Tem sido um processo longo e cansativo. Assim como a (re)descoberta de mim, a integração interior e (re)conciliação de traços importantes da minha personalidade.

A verdade é que esse tempo e energia são verdadeiros investimentos. É o break mais que necessário nas minhas idas e vindas. Melhor 01 dia de convívio íntegro comigo e o mundo à 1000 anos de uma guerra interior que se progetava nas minhas relações.

Hoje realmente entendo o que a irmã lá no mosteiro São Bento disse. A beleza de atender a um chamado sublime, seja em qual religião for, está em dizer sim para si e para a realidade: as pessoas, o mundo, seus defeitos, suas qualidades, suas vicissitudes. Também consiste em dizer sim quando sua vida está arrumada e você lida bem com seus conflitos e demônios particulares. Não quando o sim significa a fuga de si. Isso é ilegítimo, falso e desleal. Mas o SIM justamente quando você está feliz com tudo que tem e com o que se é. Quando se está plena e realizada nesse mundo, obra do Grande Arquiteto, e lhe diz SIM exatamente por isso.

Hoje entendo e estaria pronta para seguir uma vocação de freira...


Mas... Como posso dizer isso?
Hum... deixa-me ver.... isso não estava no esboço....

Bom, acho que gosto o suficiente para....

...Ok, bom, vou dizer a verdade...


Não tenho vocação e também não quero mais ser freira.

Gosto tanto da realidade, de mim e, principalmente, do outro... que... prefiro ficar por aqui, ok!?

Então tá, vou lá, deixa-me viver e aproveitar mais um pouco...










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