domingo, 19 de outubro de 2008

(Aprendizagem, predicativo para viver)

Hum... estou aqui no meu escritório. Tenho um cigarro nas mãos, e cinza no peito. Vou dizer o que aconteceu:
Ela acordou um dia e entendeu tudo: ele era pleno de si, prescendia de todos, e nisso residia sua força. Paula compreendeu claramente. Ele tinha a força que ela desejava ter, no entanto tímida era sua coragem.
Para ser honesto, posso dizer que ela já gozava dessa força e foi isso que a fez se aproximar dele. Os fortes se atraem.
Não sei se ele, Ricardo, sabe disso. Eu sei. Eles se atraíram pela força incontida que se agita em seus interiores. Força única de mesma substância e natureza.
Ele conhece sua própria força, ele conhece também a dela, mais que ela própria. No entanto, um dia ela acordou e descobriu. Descobriu pela experiência que não precisava de nada. Constatou que, assim como ele, podia escolher as pessoas de seu convívio, e já o fazia. Ela foi além, se permitiu mais.
Sentiu sua força se agitar em seu interior, sentiu seu corpo como sendo ela própria, o templo de sua alma. Percebeu que não era mais duas. Era única e realizada. Sentiu sua força e viu sua coragem dissipando medo e receio que permearam sua existência.
Quando vi toda essa sua conquista, senti grande orgulho. E constatei que já não precisaria mais de mim.
Brotou-me, homem forte, esclarecido e resolvido, incômoda nostalgia e tristeza. Eu queria fazê-la forte, mulher, vulcão. Consegui. Entretanto, agora se fez hora de partir. Semeei consciente que cuidava de um jardim do qual não colheria flores ou frutos. Tarefa cumprida. Os méritos mais nobres são dela. Ela chegou onde queria chegar, onde devia chegar. Continuará, não irá parar. E já poderá ir sozinha. Descobriu ter tudo de que precisa para sobreviver. Os mais fortes sempre sobrevivem.
Talvez ela vá acompanhada, talvez não. Isso não me importa. Aff! Sinto um resquíssio de dor despontar em mim. Sinto ciúmes dela, minha Paula, meu vulcão... Estou em carne viva, flamejando por me ter banhado em sua lava. Estou feliz.
Confesso, num momento do aprendizado quis interromper e tê-la ali somente para mim. Essa foi uma grande tentação. Se eu fizesse isso, no entanto, se interrompesse o aprendizado dela para mantê-la comigo, não teria mais razão senti-la em meus braços. Sufocaria, com isso, seu suspiro puro e intenso. Atrofiaria suas asas. Livre, ela está feliz e plena. Isso é o importante.
Se fez mulher, embora tenha se esforçado muito tempo para ser uma menina. É mulher feita e formada, que pode escolher, como o vento, aonde soprar. Assim como o Pássaro Encantado* precisou estar livre para viver. Como ele, suas penas continuarão a brilhar coloridas e quem sabe voltará para pousar breve em meus braços algum dia.
Minha pequena, garotinha e menina, virou mulher. Não sei o que fazer agora...
Hum, tive uma idéia... Vou parar de ficar divagando igual a um retardado. Vou ligar para Letícia. Convidá-la para um chopp. Talvez depois de uns choppinnhos role um sexo gostoso. Esta mulher é um tesão!
*O Pássaro Encantado é personagem da literatura de Rubem Alves. O pássaro era encantado porque não vivia em gaiola, vivia solto, vinha quando queria e porque amava. Tinha as penas coloridas com cores diferentes, cores dos lugares por onde tinha voado. Contava histórias dos lugares para sua amiga, uma menina, que decidiu prendê-lo numa gaiola a fim de tê-lo sempre perto de si para que fossem felizes juntos e para sempre. Com isso, o pássaro perdeu suas penas, esqueceu suas histórias e ficou de cor cinza. Foi quando a menina percebeu o mal que lhe tinha causado e o libertou de sua prisão.

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