domingo, 25 de outubro de 2009

Mergulho

Ana Letícia pegou o diário da irmã de seu namorado. Começou a folhear e parou para ler o que observou com o título - Minha casa, minha vida - que dizia:
Minha casa é o meu coração
E confesso que não é o lugar mais arrumado que já vi
Tem tantos lugares difíceis de acessar, recantos e comôdos intocados
Há alguns sentimentos presos, com o sangue pisado. Entretanto há muita alegria solta e algo de plenitude e paz
Escondo nele o amor, e não deixo sair. A paixão que às vezes vem não raro fica prisioneira, e para sair causa uma grande explosão com estilhaços para todos os lados
Meu coração é muito novo, e imaturo, ficou muito tempo medindo os seus compassos
Atualmente está machucado, com uma cicatriz endurida, mas a quase se fechar de vez. Contudo carrega consigo além de alegria, muita esperança e fé enxarcadas em baldes de coragem.
Não teme o futuro, atualmente prefere se entregar de braços abertos passando por sobre os receios, com muita inteligência e astúcia.
Meu coração é o meu lar
É aqui que eu moro
Eu moro nele, e ele mora em mim.
Ana Letícia parou a leitura no meio, uma vez que percebeu tamanha intromissão e mais ainda porque sentiu grande inquietação. Aquela leitura causou uma sensação desconfortável. Texto estranho, não é profundo, não é bonito, mas mexeu com algo em mim, ela pensou.
Ana acabou tendo contato com a confusão de seu coração, com seus recôndidos protegidos, com suas emoções secretas, suas mágoas retidas, perdões não liberados, inveja e ressentimentos guardados, amor desprezado. Ela acabou embarcando sem previsão numa viagem para dentro de si. Viagem onde pôde reencontrar amores desperdiçados, corações despedaçados por seu medo de se entregar. Ela encontrou a culpa, o peso de ter feito pessoas sofrer, e lamentou pois ela mesma sofreu quando foi sua vez de querer amar alguém e a pessoa não estava aberta para o amor. Foi ao abismo profundo de seu coração onde tinha ciúme e inveja de sua irmã, a culpa sobre sua mãe e a paixão não correspondida por seu pai. Naquele abismo onde estava seu ódio e ressentimento por si mesmo, por ser como era - se achava feia, não se sentia pertencente, não se sentia amada e consequentemente não tinha aprendido amar. Mas foi ali na profundeza daquele mesmo abismo que surgiu a possibilidade de sua purgação. Dali, do seu coração, no abismo, lugar que lhe era angustiante, lhe saiu a cura, o perdão e a liberdade. Do mergulho em seu próprio desespero, no encontro profundo com seu desamparo, encontrou acolhemento, ressurgiu para a Vida e descobriu o Amor.

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