A aposentadoria do macho alfa
Revista Época - eletrônica.
(Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG76422-6077-457,00.html)
Macho alfa é um conceito corrente em biologia. Serve para designar o líder de um grupo de animais de ordem superior, como lobos e primatas. O macho alfa tem força, habilidade para caça, facilidade para tomar decisões, personalidade marcante e bravura. Esse macho demonstra sua autoridade, jamais permitindo que os outros animais se insurjam contra ele. É o primeiro a se alimentar e possui primazia na escolha das fêmeas. Mostra seu domínio rosnando, mordendo ou dilacerando outros animais. Até que sua superioridade seja posta à prova por outro integrante do grupo. Se o desafiante vencer o macho alfa no embate, assume sua posição. A realização pessoal para nós, indivíduos do sexo masculino, sempre esteve fortemente associada a tornar-se um macho alfa.Como sou portador do tal cromossomo Y, quando quero conseguir certas coisas tendo a me comportar como um macho alfa. Mas, ao agir assim, em geral sou malsucedido. Será que não passo de um macho beta, gama ou outra letra grega indicativa de minha inferioridade no campeonato dos machos? Em vez de me considerar um fracasso, preferi aprofundar a análise. E cheguei a conclusões mais satisfatórias para meu ego.Parece-me que, diante das violentas transformações das últimas décadas, o tal macho alfa está se tornando um modelo obsoleto por sua ineficiência. A emancipação das mulheres, a globalização, a internet e outras novidades criaram um novo jogo. Ele substituiu a regra anterior de "o-vencedor-leva-tudo". O mundo de hoje é mais complexo e mais interdependente. Neste novo mundo digital, consegue mais quem transmite melhor as idéias, negocia propostas e convence os outros a cooperar para ir na direção pretendida. Tente comandar unilateralmente, e você estará a caminho do fracasso.Muitas empresas já perceberam que o sucesso depende mais da cooperação que da coação. Falar grosso nas organizações mais modernas não parece funcionar mais como antigamente. Quanto mais sofisticados ficam os processos e a produção, menos espaço existe para escravidão ou autoritarismo. Por isso, chefes tipo capataz estão sendo cada vez menos valorizados.
Além de dividir as tarefas de casa, os novos pais querem mais intimidade na relação com os filhos
Também nos papéis familiares o macho alfa começa a perder espaço. Em seu lugar emerge um novo papel masculino: o pãe. O termo vem da fusão das palavras pai e mãe. Certamente foi criado por mães maledicentes, temerosas de que alguns homens estejam querendo competir com elas. De fato, os pães trocam fraldas, sabem dar banho em bebês, adoram passear com as crianças nos parquinhos, inclusive em dias de semana. Eles ousam chegar atrasados ao trabalho e assumir claramente que o motivo foi uma reunião ou um teatrinho na escola. Alternam tarefas com a mulher, como levar a criança à escola e ao médico. Também acompanham deveres escolares de perto. Sabem os nomes dos medicamentos e dos professores dos filhos. Mas esse novo tipo de pai almeja mais que apenas se envolver com a operação doméstica de cuidar dos filhos. No fundo, o que os pães querem é criar um vínculo maior com seus filhos. É um quesito no qual o pai macho-alfa-provedor de antigamente ia muito mal. Desde o século XX, as mulheres têm se libertado de várias condenações que lhes foram impostas pelo patriarcado, estão mais e mais educadas e certamente vão provocar cada vez mais mudanças na sociedade. Desde que o mundo é mundo, o crime, a violência e a barbárie estiveram sempre mais associados ao cromossomo Y que ao X. Nesse contexto, pode ser que o declínio dos machos alfa tragaperspectivas mais sábias e venturosas para nós do sexo masculino.
RICARDO NEVES é consultor de empresas e autor de Pegando no Tranco - O Brasil do Jeito Que Você Nunca Pensou.
www.ricardoneves.com.brrneves@edglobo.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário