segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Escola da Ponte, Rubem Alves...

"Não cobiço nem disputo os teus olhos
não estou sequer à espera que me deixes ver através dos teus olhos
nem sei tampouco se quero ver o que veem e do modo como veem os teus olhos

Nada do que possas ver me levará a ver e a pensar contigo
se eu não for capaz de aprender a ver pelos meus olhos e a pensar comigo

Não me digas como se caminha e por onde é o caminho
deixa-me simplesmente acompanhar-te quando eu quiser

Se o caminho dos teus passos estiver iluminado
pela mais cintilante das estrelas que espreitam as noites e os dias
mesmo que tu me percas e eu te perca
algures na caminhada certamente nos reencontraremos

Não me expliques como deverei ser
quando um dia as circunstâncias quiserem que eu me encontre
no espaço e no tempo de condições que tu entendes e dominas
Semeia te como és e oferece-te simplesmente à colheita de todas as horas

Não me prendas as mãos
não faças delas instrumento dócil de inspirações que ainda não vivi
Deixa-me arriscar o molde talvez incerto
deixa-me arriscar o barro talvez impróprio
na oficina onde ganham forma e paixão todos os sonhos que antecipam o futuro

E não me obrigues a ler os livros que eu ainda não adivinhei
nem queiras que eu saiba o que ainda não sou capaz de interrogar

Protege-me das incursões obrigatórias que sufocam o prazer da descoberta
e com o silêncio (intimamente sábio) das tuas palavras e dos teus gestos
ajuda-me serenamente a ler e a escrever a minha própria vida."

Rubem Alves, escola da Ponte.
"E se a letra mata, mas o espírito vivifica...
Oferto meu silêncio, e o meu amor...."